“Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto) e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei.” Clarice Lispector (Citação confirmada pelo biógrafo da autora, Benjamin Moser.)
Acho que o pesadelo de Clarice se realizou.
Se por um lado alguns se sentem acolhidos pelas supostas frases de Clarice Lispector, por outro há leitores reclamando por verem a obra de uma das maiores escritores brasileiras ser deturpada na internet. Dizem até que a autora é campeã das citações falsas no Facebook. Mas o fato é que a nossa Lispector caiu no gosto do povo, de um jeito ou de outro.
E se você não se importa muito com a autoria das citações que compartilha, mas apenas com a mensagem, também não ficará surpreso se eu disser que os seguintes textos atribuídos à Clarice nunca foram escritos por ela:
“Não tenho mais tempo algum, ser feliz me consome” Adélia Prado, O Pelicano.
“Mude. Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.” Edson Marques
Agora entendo a reclamação de Clarice no sonho. Tem coisa pior do que alguém dizer que você falou algo, sem nunca ter falado? E não se sinta envergonhado (a) se você já compartilhou frase fake. Luís Fernando Veríssimo disse em uma palestra onde estive presente (Pauliceia Literária/SP): “É impossível controlar as citações na internet.” O escritor até brincou dizendo que é reconhecido em outros países por textos falsamente atribuídos a ele.
Nem a escritora Tati Bernardi escapou da “fake phrase”, veja o que ela escreveu:
“Sempre achei bonitinha a frase ‘Tenho medos bobos e coragens absurdas’. Vejo sempre espalhada pela internet como sendo da Clarice e pensava “é meio fraca pra ser dela, mas eu poderia ter dito isso”. Daí tô limpando meu computador, arrumando uns arquivos, e descobri que em 2005 quem escreveu essa frase fui eu mesma. Eu era fã de uma frase e a frase era minha! A internet deixa a gente tão louco que eu mesma me falsifiquei.”
Então, como reconhecer uma citação verdadeira?
Os textos originais trazem características literárias do autor. Por isso, uma boa maneira de saber se a frase é verdadeira ou não é conhecer essas características. A escrita de Clarice Lispector, por exemplo, possui algumas peculiaridades: questionamentos existenciais, introspecção, epifania, fluxo de consciência (ideias expressas do jeito que surgem na cabeça, pensamento não linear) etc.
Além disso, a citação verídica geralmente traz a referência do livro a qual pertence. E aqui vai algumas frases legítimas de Clarice:
“Experimento viver sem passado sem presente e sem futuro e eis-me aqui livre. É de manhã. O mundo tão alegre como um circo desvalido.” Um Sopro de Vida
“Chorava enfim dentro do meu inferno. […] E no soluço Deus veio a mim, e me ocupava toda agora. Ele nunca podia ser entendido por mim senão como O entendi: me quebrando com uma flor que ao nascer mal suporta se erguer e parece quebrar-se.” A paixão segundo G.H., página 140
“Eu sou mansa mas minha função de viver é feroz.” A paixão segundo G.H
“A mulher esclarecida estuda, lê, é moderna. E não tem de trazer necessariamente um diploma ou título, […] ela é compreensiva e humana e despoja-se do sentimentalismo barato e inútil.” Clarice na cabeceira: jornalismo, página 91
“Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo e não sei como falar — a realidade é delicada demais […] e minha imaginação é pesada.” A paixão segundo G.H, página 32
Portanto, sugiro que você entre em contato com as obras dos escritores para acabar de vez com a dúvida sobre as citações na internet — leia Clarice Lispector.
Elaine Rodrigues
Professora de Literatura
Autora do livro DESFRAGMENTOS: crônicas e poesias
E-mail: eredigindo@gmail.com
Se depender das redes sociais, Clarice e Caio Fernando Abreu são responsáveis por 99% da produção literária mundial.
“Que tiro foi esse?!” (LINSPECTOR, 2017).
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😄 😄 Concordo, Bruno!
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Hahahahahah “LINSPECTOR TODYNHO”
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Se for muito fácil de entender, não foi Clarice que escreveu 😂😂
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😄 😄 Algumas leituras são mais difíceis mesmo, como A paixão segundo G.H em que predomina o fluxo de consciência.
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É muito engraçado como inúmeras pessoas atribuem frases à Clarice Lispector. Ela meio que tornou-se um símbolo “cool” dos autores brasileiros. Sua obra, de fato, é linda, pesada de psicologia e atemporal.
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A parte boa disso (se é que posso dizer assim) é que muitos se encantam com frases “fake” de Clarice e depois vão ler sua obra. Aí descobrem que ela não é escritora de “autoajuda” rsrs
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Conheci agora o seu blog Eredigindo, Elaine. Muito bacana. Sem prejuízo de outros, esse post sobre Clarice é uma riqueza e bastante oportuno. Parabéns! Penso em replicar no meu blog, com o devido crédito. Ok?
Vou me cadastrar como seguidor.
Abraço e vamos nessa!
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Pode replicar à vontade! Também gostei do seu blog. Gosto de coisas inteligentes e reflexivas, e já estou seguindo!
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A escrita judia é sempre enigmática e há um questão existencial. Por isso Clarice escreve assim. Seu texto ficou bem explicado.
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Obrigada, Gabriel!
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